Quitute
Por Cris Oliveira em 29/5/25
Acordava mais cedo para lavar o cabelo castanho, cedo sem secador, cabelos compridos, ter secador até tinha, cacofonia. Mais cedo no supetão, os outros um alvoroço, desliga essa merda, retruque, acorda o cachorro, quintal com quintal é assim, melhor sem secador. Não lembro se lavava todos os dias xampu aquamarine pra toda família cabelos oleosos só eu tinha. Terminava alguma lição muita lição e ajudava a mãe fazer um quibe uma quibebe uma quimera, uns bolinhos de arroz do arroz que sobrava com cheiro verde e cebola, a mãe fritava qualquer coisa no óleo de soja irritada. Almoço-louça-troca-roupa-corre-passa na casa da amiga.
Até a escola uns vinte minutos a pé tagarelando passeando mochilas, ombro abaixo cadarço amarrado acima cachola mormaço. A Bruna alta aquelas pernas compridas, ficava linda de calça jeans, dizia frases engraçadas estranhas, o fonema erre da Bruna preso naquela boca pequena, pessoa divertidona com a vida quando o assunto não era o namorado, eu não achava engraçado seres ciumentos de sorrisinho amarelaço. Ela no recreio só com ele, não podia usar decote kajal blush gloss, má influência a amiga grude (com ele rude).
Bruna e o boçal sem graça, ela e o bocó dando amassos escondidos na escadaria, ela fecha o olho. Cena de teatro cinema livro conto de fadas. A obsessão por bocas, bocaça, bocarra, boquita, qualquer bucalidade de beiço fino, de beiço carnudo, beiço descascado, esbranquiçado, cheia, mordida, relaxada, eu só tinha olhos para boca bocados bombocados. Beijos alheios. Reconhecia sorrisinhormonal de quem tinha beijado chupado língua saliva nojinho gostoso, batom vivo na boca dos meninos, quando meninos ainda não usavam batom. Me acercava disfarçando vontade, não beijava ninguém, não tinha beijado. Abocanhava mini pizza ou pão com molho sabor orégano suculento, distraída, palato mole palato duro úvula tomate esmagado fervido respingo no uniforme branco, passa guardanapo, absorvida, vulva óvulo útero mancha tampa com casaco na cintura, nem todas usávamos tampão.
Terça-feira última aula: geometria, a Bruna não, quinzena aquele dia quando a Bruna ficava mais pro laboratório de química, eu pra casa sozinha. Ele, o próprio, namorado dela, andava mais rápido mais pujante, impudente me encurralou no quarteirão de cima, mal falou duas palavras no léxico abreviado de meninos topetudos só no topete e tacou carícia coisa repugnante dedos dele bem na minha nuca, meio acelerado disse que se eu fosse menos peluda cabeluda ele me beijaria. Cuspi na cara dele pelo conjunto da obra. Ele reagiu com força, quis me agarrar, me rebati me chacoalhei empurrei no grito, mochila estojo meu braço o compasso furou rasgou o beiçudo sangue ruim jorrando eu continuei andando xingando vingança de novela.
Quem souber que lorota groselha boato balela ele contou pra minhamiga anestesiada bela adormecida que me conte, e que conste que eu não dei brecha nem bandeira. Não vi eles casando logo vindo o filho a cara do pai jeito trejeito tudo, ela caindo de espanto esposa panorama panela pânico pã pânico. A gente nunca mais chegou junto, nunca mais se aconchegou.
Tudo isso é verdade porque aconteceu na puberdade bamba babação em Bananal, povoado de mato pacato, coisa de andar na grama pra depois fazer uso de gramática e paragramatismo degustando desgosto dissabor saboreando ter sabido sabotar o disgramado de um babaca.
𝄞 Música para acompanhar:
Boca de Groselha, Curumin.