Literatura Experimental - I know it when I see it

Arthur Conan Doyle põe na boca de seu Sherlock que “eu sei o que é bom quando vejo”. O detetive falava de uma pintura n’O Cão dos Baskervilles. O juiz Potter Stewart disse algo parecido num julgamento da Suprema Corte dos Estados Unidos. “Eu sei o que é quando vejo”. Referia-se à pornografia hard-core e não se deparou com ela na cena do filme que julgava. Les Amants, de Louis Malle, lançado em 1958 - caso você esteja curioso para assistir ao que o estado de Ohio considerou tão obsceno a ponto de tentar manter o banimento do filme por juízes estaduais junto à corte mais alta.

Há conceitos mais ou menos difíceis de definir. A literatura experimental é um dos hard-cores. Ninguém põe a coisa muito bem em palavras, mas identificamos quando nos deparamos com ela. Sentimos um estranhamento. Onde está a pontuação na última sessão do Ulisses, de Joyce? Em qual direção se lê a poesia concreta? Como digerir Hilda Hilst? Para que escrever um romance inteiro sem a letra “e”, a mais usada no alfabeto francês?

Não quer dizer que não valha a pena uma tentativa de definição, caso seja uma maximalista. É o que propõem Will Cordeiro e Lawrence Lenhart em “Experimental Writting - A writer’s guide and anthology”, publicado pela Bloomsbury em 2024. Fresquinho. Os dois professores da Universidade do Arizona apresentam sete teorias sobre escrita experimental, algumas até contraditórias entre si, mas nunca excludentes do potencial da coisa.

1 - Aquela que rompe com as normas vigentes. Sejam tais normas literárias ou de outro campo. Rompendo, expande o próprio espaço da literatura e, por isso, muitas vezes não parece nem mesmo literatura.

2 - Aquela que permanece estranha. Algumas obras mantêm-se revolucionárias e inovadoras mesmo décadas, séculos, milênios após o surgimento. Fedro, de Platão, pulando os muros da cidade; A pickle for the knowing ones, de Timothy Dexter, sem pontuação; Orlando, de Virginia Woolf, vivendo por séculos e mudando de sexo.

3 - Aquela pelo protesto e pela revolução. O que importa aqui não é a qualidade estética do trabalho em si, mas sua capacidade de transformar radicalmente a estrutura social.

4 - Aquela que surge da experiência e do processo, e não de regras ou produtos. É a escrita experimental com base numa experiência inovadora. Ela não bate continência às formas e procedimentos da criação literária predecessora.

5 - Aquela feita experimental pelo leitor. Quem tem a capacidade de transformar qualquer texto em inovador não é o escritor. É o leitor. Imagine alguém decifrando a poesia da tabela nutricional num pacote de biscoito.

6 - Aquela que se junta a uma tradição experimentalista. Ao invés de implodir a ideia de tradição, a literatura de vanguarda é simplesmente uma tradição alternativa. Essa visão, em algum nível contraditória à quarta, reconhece a influência de um corpo literário anterior. Tal influência pode estar expressa em forma de concordância ou de renúncia.

7 - Aquela em resposta às mudanças culturais. A literatura experimental seria um esforço de adaptação aos modos de representação contemporâneos. Mais do que oposição, é atualização das novas formas de imaginar o mundo.

Não estamos aqui para dizer o que é ou não literatura experimental. Assim que a vermos, saberemos estar diante dela. Queremos publicá-la. 

Foto com pintura sobreposta. Por Gabriel Migão e Lucas Reis.

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