Migrânea
Guarda-chuva vai a dez.
Capaz, virote, jaguara.
Borboleta treze.
Guaiamum, aratu e tareco.
Venha ver o meu sofrimento.
Sergipe é o país do forró.
Olha a cobra, corre hoje.
Venha ver o meu sofrimento.
Tototó, umbu e piaba.
Rei das fechaduras.
Venha ver o meu sofrimento.
Acabou. Acabou? Acabou. Acabou?
Venha ver o meu sofrimento.
Sapoti, arrocha, cueca virada.
É o carro do sonho que está passando.
Venha ver o meu sofrimento.
Empanzinar e gorfar com r.
Viu? Viu.
Lixo que não é lixo.
Venha ver o meu sofrimento.
Imagina.
Migrar e produzir sentido. Saudade. Reconhecimento de território pelo que se ouve, sente e enxerga. As cidades, seus pregões dissipados entrando pelos ouvidos, sons familiares. Em Migrânea: Curitiba e Aracaju, palavras de memórias, permanências, repetições. Ordinárias são as coisas que doem na cabeça. Quase nenhuma sentença minha, apenas escrita colagem.
“Uma realidade pronta, cuja ingênua destinação parece ter sido fixada de uma vez por todas (um guarda chuva), encontrando-se subitamente na presença de uma outra realidade muito distante e não menos absurda (uma máquina de costura), num lugar onde ambas devem se sentir deslocadas (sobre uma mesa de dissecção), escapará por isso mesmo à sua destinação ingênua e a sua identidade; passará de seu falso absoluto, por uma série de valores relativos, para um absoluto novo, verdadeiro e poético: guarda chuva e máquinas de costura farão amor. A transmutação completa seguida de um ato puro como o do amor se produzirá forçosamente sempre que as condições se tornarem favoráveis pelos fatos dados: acoplamento de duas realidades aparentemente não acopláveis sobre um plano que aparentemente não lhes convém.” (Qual o mecanismo da colagem? Max Ernst, 1936)
Uma tampa de bueiro, lia-se o gravado “Cidade de Curitiba”, no bairro de São Conrado, em Aracaju. Duas capitais, a foice que divide cada hemisfério fincado de lugar, horror é viver de fragmentos separados. Que possam, enfim, unir-se.
Colagem feita pela autora.